segunda-feira, 14 de maio de 2012

MUNDO UNIVERSITÁRIO: Semana de Calouros da USP integra novatos e veteranos sem agressão


Atividades promovidas pelos Centros Acadêmicos de cada curso reúnem alunos para que troquem informações; o objetivo é evitar trotes violentos

Entrar em uma universidade pode ser o sonho de muitos jovens. Todo o processo de escolha do curso, o estudo para o vestibular, a maratona de provas podem ser recompensados com o ingresso na instituição. Ao chegar ao local, uma avalanche de curiosidade invade a cabeça dos estudantes. As dúvidas vão desde onde tirar as cópias do texto indicado pelo professor até qual docente escolher para fazer determinada disciplina. Para isso, os calouros contam com a ajuda dos veteranos. Geralmente, essa integração entre novatos e alunos antigos se dá no famoso trote. É nesse ritual de iniciação que os alunos se conhecem e trocam informações.
O que acontecia na Universidade de São Paulo (USP) não era diferente disso, até que em 1999, o aluno recém-ingresso na Faculdade de Medicina Edison Tsung Chi Hsueh morreu durante o trote. Ele foi jogado na piscina e, como não sabia nadar, morreu afogado. O caso foi parar na Justiça, mas o processo foi arquivado em 2006 e sem que ninguém tenha sido punido.

A morte de Edison ocorreu em fevereiro de 1999. Em dezembro do mesmo ano, o Estado de São Paulo criou a Lei Nº 10.454 dispondo sobre a proibição de trote que possa colocar em risco a saúde e a integridade física dos calouros das escolas superiores como ação preventiva.
Diante das circunstâncias, a USP resolveu tomar para si parte de responsabilidade, proibindo o trote na instituição através da Portaria nº 3154 de 27 de abril de 1999 expedida pelo reitor Jacques Marcovitch, que em seu artigo 2º estabelece que:  “Não será tolerado qualquer tipo de manifestação estudantil que cause, a quem quer que seja, agressão física, moral ou outras formas de constrangimento, dentro ou fora do âmbito da Universidade”, e no parágrafo único desse artigo que: “A prática de tais atos será considerada falta grave, importando na aplicação de penalidades de expulsão ou suspensão previstas no regime disciplinar da Universidade, após processo administrativo, assegurados o contraditório e a ampla defesa”. Além da Portaria, a USP quis colaborar com a integração entre os alunos novos e antigos.
Para isso, os Centros Acadêmicos foram convocados a criar a Semana de Calouros para recepcionar os novatos. As aulas só são dispensadas para os alunos do primeiro e segundo anos. Os alunos da Geologia, por exemplo, são recebidos com um café da manhã no sábado que precede o início das aulas. No primeiro dia, têm uma aula inaugural seguido de um batismo com tintas dentro do Centro Acadêmico, depois almoçam com os veteranos e saem para arrecadar dinheiro para uma festa, realizada na própria USP.

No dia seguinte, há uma mesa redonda com geólogos de todos os setores para que os alunos tenham contato com a futura profissão. Na quarta-feira, vão ao Centro Esportivo participar de jogos e na quinta-feira é realizada uma festa. Os recém-chegados na Geologia também visitam as cavernas do Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (Petar), em São Paulo.
Os alunos da Escola de Comunicação e Artes (ECA) também recepcionam os "bichos" (modo como os calouros são chamados pelos veteranos) de forma diferente. O trote é brando: os novatos são  pintados para recolher dinheiro. E para que se integrem já na primeira semana com o local, os alunos antigos promovem uma gincana em que os calouros têm que cumprir tarefas nos diferentes departamentos da Escola de Comunicação, como o de Publicidade e Propaganda e o de Música, por exemplo.
"Com esse ECA-Tour que fazemos, os bichos conhecem cada local do nosso departamento que é bastante amplo e muito dividido devido à quantidade de cursos. Durante essa primeira semana, a gente acompanha cada atividade deles até para tirar dúvidas e auxiliá-los quando necessário", explica Danilo Teixeira, aluno do segundo ano de Publicidade e Propaganda e um dos colaboradores da comissão da Semana de Calouros da ECA.
A Escola Politécnica da USP, que possui 17 cursos distintos, dentre eles as engenharias Civil, Mecânica, Elétrica e Química, também recebe os "bichos" com palestras e atividades diversas na Semana de Calouros. Em 2012, por exemplo, no primeiro dia o diretor da escola fez uma apresentação seguida de uma aula magna ministrada por Roberto Setúbal, atual presidente do banco Itaú e ex-aluno da Escola Politécnica.
"É comum todo ano a scola trazer um ex-aluno que esteja bem-sucedido no mercado, como foi o caso do Roberto este ano", explica Leon Boucher, responsável pela comissão da Semana de Calouros da Escola Politécnica e aluno do terceiro ano de Engenharia Civil.

Além das palestras, os calouros foram informados sobre as 30 modalidades esportivas oferecidas pela Escola Politécnica e puderam conhecer cada ambiente do Centro Acadêmico participando de uma caça ao tesouro. Em cada local que chegavam, havia uma pista que levava a outro departamento. Assim, após conhecer os lugares mais importante do centro, eles chegaram à festa promovida pelos veteranos.
Mas a proposta de recepção e integreção sem agressão nem sempre é respeitada por todos os veteranos. É o que ressalta o professor Paulo Boggiani, do Departamento de Geologia. Segundo ele, os calouros continuam recebendo apelidos e fazem reclamações. “É uma situação muito perversa. A coisa fica sem controle e os veteranos permanecem tendo atitudes questionáveis. A gente sabe que é um ritual de iniciação. O aluno se sujeita porque sabe que depois vai fazer o mesmo com o outro. É uma relação perversa e sado-mazoquista. Ele quer se pintar e aparecer pra sociedade daquele jeito”, conta.
O próprio Paulo participou do trote na Geologia, na época “mais tradicional, mais pesado”. Segundo ele, naquela época o Centro Acadêmico era de resistência ao Regime Militar e o trote fazia sentido como uma forma de expressão à repressão. Mas hoje não há mais motivos para práticas vexatórias e de humilhação entre os alunos. “O aluno trotista é o chefe assediador do futuro”, finaliza.
No primeiro semestre de 2012, o Disque-trote, serviço criado na USP para receber denúncias de estudantes vítimas de trotes abusivos registrou 17 reclamações.

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